1.
Olhos de cão.
Encostado à parede, aos ladrilhos, olhos de cão olha e os seus olhos, castanhos, de cão, olham como olham os cães.
De mãos nos bolsos, cabeça encostada à parede, pés no chão.
No reflexo do vidro, olhos de cão.
O manear da cabeça como um animal. No chão, as patas largas.
Nós juntos e eu sózinho.
2.
Olhos de cão não anda em casa, anda pelas ruas cheirando as portas das casas dos outros.
Não sabe parar, olhos de cão, não sabe sequer ladrar.
Corre sem dono e não consegue parar.
3.
Olhos de cão, despenteado, mais solitário que nunca, tentando apagar a solidão, estendendo o pêlo a festas. Hoje é cão vadio, vindo da rua.
Nem sabe que a chuva de que foge nos molha a todos.
Cão, vadio. És tu, olhos de cão.
4.
Olhos de cão, triste, também.
Não é só quando o sol te brilha nos olhos, é quando uivas à lua que te mostras.
Cão estúpido e rafeiro, sem raça, de pêlo àspero e feio. Nem sabes que o mundo é teu.
5.
Os dias de sol são teus, olhos de cão.
Saem-te pela cara e pelos braços, pelos pés cansados.
Estão dentro de ti e saem-te pelos olhos, olhos de cão.
A beleza, a ti, entra-te pelos olhos adentro e depois brilha fora como o sol.
Tudo o que existe é teu, e tu nem sabes, olhos de cão.
Que o mundo não tem montanhas para quem é cão. Para quem se sente cão. Para quem morde como cão, a vida.
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