sábado, 6 de março de 2010

Olhos de cão


1.
Olhos de cão. 
Encostado à parede, aos ladrilhos, olhos de cão olha e os seus olhos, castanhos, de cão, olham como olham os cães. 
De mãos nos bolsos, cabeça encostada à parede, pés no chão. 
No reflexo do vidro, olhos de cão. 
O manear da cabeça como um animal. No chão, as patas largas. 
Nós juntos e eu sózinho.


2.
Olhos de cão não anda em casa, anda pelas ruas cheirando as portas das casas dos outros. 
Não sabe parar, olhos de cão, não sabe sequer ladrar. 
Corre sem dono e não consegue parar.


3.
Olhos de cão, despenteado, mais solitário que nunca, tentando apagar a solidão, estendendo o pêlo a festas. Hoje é cão vadio, vindo da rua. 
Nem sabe que a chuva de que foge nos molha a todos. 
Cão, vadio. És tu, olhos de cão.


4.
Olhos de cão, triste, também. 
Não é só quando o sol te brilha nos olhos, é quando uivas à lua que te mostras. 
Cão estúpido e rafeiro, sem raça, de pêlo àspero e feio. Nem sabes que o mundo é teu.


5.
Os dias de sol são teus, olhos de cão. 
Saem-te pela cara e pelos braços, pelos pés cansados. 
Estão dentro de ti e saem-te pelos olhos, olhos de cão. 
A beleza, a ti, entra-te pelos olhos adentro e depois brilha fora como o sol. 
Tudo o que existe é teu, e tu nem sabes, olhos de cão. 
Que o mundo não tem montanhas para quem é cão. Para quem se sente cão. Para quem morde como cão, a vida.

.

Sem comentários: